“No princípio, nos anos quarenta, o socialismo apresentou-se como comunismo, como república una e indivisível, como ditadura e jacobinismo governamental, aplicados no domínio económico. Tal era o ideal da época. Religioso ou livre-pensador, o socialista de então estava pronto a submeter-se a qualquer governo forte, mesmo ao império, desde que esse governo refizesse as relações económicas com vantagens para o trabalhador.
Deu-se, depois, uma profunda revolução, sobretudo nos povos latinos e na Inglaterra.
Tanto o comunismo governamental, como o comunismo teocrático, repugnam aos trabalhadores. E esta repugnância fez surgir na Internacional, uma nova concepção, ou doutrina, o colectivismo. Esta doutrina, no princípio, significava: posse colectiva dos instrumentos de trabalho (não compreendendo o necessário para viver) e o direito de cada agrupamento aceitar, para os seus membros, o modo de retribuição que lhe agradasse, comunista ou individual. (…) Este sistema transformou-se numa espécie de compromisso entre comunismo e a retribuição individual do assalariado.
Hoje, o colectivismo quer que tudo o que serve para a produção se torne propriedade comum, mas que cada um seja, apesar disso, retribuído individualmente em vales de trabalho (…): comunismo parcial na posse das ferramentas e na educação; concorrência entre os indivíduos e os grupos para o pão, a habitação, o vestuário; individualismo para as obras do pensamento e da arte; e assistência social para as crianças, os doentes, as pessoas de idade.
(…) A ideia, como sabeis, é velha. Ela data de Robert Owen. Proudhon preconizou-a em 1848; hoje fizeram dela “socialismo científico”.
(…) Os inconvenientes:
(…) O valor é um facto social. Resultado de uma troca ele tem um duplo aspecto: o lado desprazeroso e o lado satisfação, um e outro concebidos no seu aspecto social e não individual.
Por outro lado, quando se analisa os males do regime económico actual, compreende-se – e o trabalhador sabe-o muito bem – que a sua essência está na necessidade forçada para o trabalhador de vender a sua força de trabalho. (…) O trabalhador vende-se ao que promete dar-lhe trabalho; renuncia aos benefícios que o seu trabalho poderia proporcionar-lhe, entrega ao patrão a parte de leão dos produtos que fizer, abdica da própria liberdade , renuncia ao direito de fazer valer a sua opinião sobre a utilidade do que vai produzir e a maneira de fazê-lo.
Assim resulta a acumulação do capital, não de sua faculdade de absorver a mais-valia, mas da necessidade em que se encontra o trabalhador, de vender a sua força de trabalho, sabendo antecipadamente aquele que a vende que não receberá tudo quanto aquela força produz, que será lesado nos seus interesses e ficará inferior ao comprador. Sem isto, nunca o capitalista teria procurado comprá-lo.
Eis a razão, porque, para mudar este sistema é preciso atacá-lo na sua essência, na sua causa – a venda e a compra – Não nos seus efeitos, o capitalismo.
Os trabalhadores têm disso uma vaga intuição e ouve-se-lhes dizer cada vez mais amiúde que nada haverá de facto se a revolução social não começar pela distribuição dos produtos, se não garantir a todos o que é necessário para viver, isto é, a habitação, o alimento e o vestuário.
Continuando assalariado, o trabalhador continuará escravo daquele a quem será obrigado a vender a sua força, seja esse comprador um particular ou o Estado.
O homem do povo não raciocina sobre abstracções, pensa em termos concretos, e é por isso que sente que a abstracção “Estado” revestiria para ele a forma de numerosos funcionários, escolhidos entre os seus camaradas de fábrica ou de oficina, e sabe com que contar quanto ás suas virtudes; excelentes camaradas hoje, seriam amanhã gerentes insuportáveis.
E procura a constituição social que elimine os males actuais , sem criar novos.
É por isso que o colectivismo nunca apaixonou as massas, que voltam sempre ao comunismo – mas a um comunismo cada vez mais despojado da teocracia e do autoritarismo jacobino dos anos quarenta – ao comunismo livre, anarquista.
(…) Já não pode haver dúvidas sobre a possibilidade da riqueza numa sociedade comunista, provida de ferramentas como nós estamos. Lá onde surgem as dúvidas é quando se trata de saber se semelhante sociedade pode existir sem que o homem seja submetido em todos os seus actos ao controle do Estado; se não é preciso, para alcançar o bem-estar, que as sociedade europeias sacrifiquem o pouco de liberdade pessoal que elas reconquistaram durante este século, às custas de tantos sacrifícios.
Uma parte dos socialistas afirma que é impossível alcançar semelhante resultado sem sacrificar a sua liberdade sobre o altar do Estado. A outra; à qual pertencemos, sustenta, ao contrário, que será somente pela abolição do Estado, pela conquista da liberdade inteira do indivíduo, pelo livre acordo, pela associação e pela federação absolutamente livres, que poderemos chegar ao comunismo – à posse comum da nossa herança social, e à produção em comum de todas as riquezas.”
Piotr Kropotkin numa conferência a 6 de Março de 1896, na sala popular de Tivoli-Vauxhall, em Paris editada sob o título A Anarquia, Sua Filosofia, seu Ideal pela Imaginário (Colecção Escritos Anarquistas) – à venda na Letra Livre