“you’re blaming the victims of the violence for that violence”

“you’re blaming the victims of the violence for that violence”
Durante os protestos que têm sido movidos pelos estudantes ingleses contra o brutal aumento das propinas do ensino público desse país, um incidente, no mínimo, perturbante tomou lugar. Um dos protestantes, Jody McIntyre, foi arrastado pela polícia londrina da sua cadeira de rodas onde se encontra devido a uma paralisia cerebral que lhe afecta o controlo dos seus membros. O acontecimento foi filmado por um telemóvel e colocado a circular na internet e rapidamente fez história noticiosa e chegou aos principais meios de comunicação entre eles a BBC que suporta este triste, mas esclarecedor, espectáculo televisivo.

3 pontos levam à minha reflexão:

1. O espectáculo televisivo ou o tiro que sai pela colatra:

Talvez a BBC tivesse alguma consciência do que estaria a promover. Segundo se entende pela entrevista, pesquisaram o blogue de Jody e foram rápidos a tomar o seu próprio juízo sobre o caso: Jody é um revolucionário. E um revolucionário aos olhos deste jornalista aparentemente significa um tipo de cocktail molotov nas mãos a atentar indiscriminadamente contra o Estado. Curioso que tão rapidamente se lance no julgamento de uma pessoa que tem à sua frente e seja tão cauteloso quando no início da entrevista comenta as imagens onde vemos claramente a violência, desproporcional e desrazoável, de dois polícias a agredir um rapaz numa cadeira de rodas usando palavras como “aparentemente”. Mas talvez não tivesse ocorrido ao jornalista que Jody fosse um tipo com um discurso tão esclarecido e perspicaz. O que estaria aparentemente montado para servir de uma mera peça televisiva sobre como o acessório se torna principal, ganha uma importância maior quando o porta-voz do momento consegue transformar aqueles oito minutos televisivos focados na importância das questões que estão imanentes a toda esta circunstância.

2. A criminalização dos movimentos contestatários:

Não é algo que nos seja novo. São constantes os relatos deste tipo de manifestações através da violência que geraram, facilmente relegando para um plano secundário os motivos e as causas que levam estas pessoas a assumir um papel contestatário e a virem para a rua mostrar a sua indignação. Devemos ter em consideração um lugar-comum que nos diz que não devemos tomar o todo pela parte e estou em crer que a maioria destas pessoas não está interessada em atentar gratuitamente contra a propriedade alheia, ou a segurança de terceiros, mas estas pessoas estão indignadas e, na realidade, têm bons motivos para o estar. Não me parece que a melhor forma de apagar uma fogueira seja atirando gasolina para cima, e é precisamente isso que simboliza um exército de polícias especialmente treinados para situações de confronto directo, em que conceitos como pedagogia e mediação não serão o principal foco desses treinos. Aqueles homens vêem os cidadãos que protestam como o inimigo e estão prontos para atacar qualquer foco de violência à sua nascença. Está à vista a contradição e o precedente que fica criado.
Julgo que ninguém de bom senso está interessado em promover a violência, mas quando esta violência é reactiva − reactiva ao confronto que estes verdadeiros exércitos “anti-motim” incitam, reactiva às medidas governamentais cuja falta de razoabilidade e sentido de justiça não são mais do que violência “limpa” e “institucional”; encontramos, não digo “motivos” mas, pelo menos, “razões” para que estas pessoas, que sentem a necessidade legitima de fazer ouvir a sua voz, constantemente silenciada pelo fosso que se cria perante as forças oligárquicas que regem a nossa sociedade contemporânea, acabem por encontrar justificações para a violência.
O facto é que tão criminoso se pode considerar o amotinado que não mede a violência de um determinado acto, como o polícia e o parlamentar que conscientes da sua responsabilidade e da sua força julgam poder exercê-la de modo desmedido sem consideração pelas pessoas que, no fundo, deveriam ser o seu maior motivo de preocupação. As pessoas que também constituem a sociedade e que aos olhos dos valores que regem os nossos princípios constitutivos são iguais entre iguais.

3. A necessidade de assumirmos conscientemente os nosso actos:

Por fim, o ponto que mais me interessa em toda esta questão. A circunstância que faz toda a diferença para que o que se poderia considerar como lixo televisivo e ruído informativo tornar-se num potente manifesto político contra as diversas forças de coerção que nos minam o dia-a-dia. E tão simplesmente porque aquela pessoa estava consciente. Consciente dos motivos pelos quais estava presente nas ruas de Londres naquele dia. Consciente do tipo de armadilha que lhe estava montada quando foi convidado a falar em directo para um canal que transmite para milhares de pessoas no seu país e além fronteiras. A sua motivação é firme e ficou bastante clara. Não se trata de um “terrorista”, de alguém que esteja interessado em fazer valer a sua posição em detrimento da posição dos demais. Está a lutar por um direito que lhe foi atribuído enquanto cidadão e que é considerado pela própria constituição como justo: o acesso à educação. E não só é justo como essencial para toda a lógica que temos na construção civilizacional da nossa era e de que tanto nos orgulhamos. Apesar dos esforços vãos que o jornalista faz para tentar encontrar contradição naquela “personagem-tipo”, só encontra a convicção que move aquele cidadão. Convicção que só pode ser gerada através da reflexão. Todo o movimento insurreccional encontra-se munido de uma força inamovível quando tomado em consciência e com sentido de justiça pelos seus participantes. A brecha está aberta e é necessário que cada um de nós faça uso das ferramentas que nos foram postas nas mãos pelos nossos antepassados e não esqueçamos a História e a origem dessas mesmas ferramentas!

John Stuart Mill, um liberal e parte daquilo que entendemos hoje como o código genético dos valores que regem a criação e emancipação do povo do Reino Unido, escreveu um dia no seu famoso livro “Da Liberdade de Pensamento e de Expressão”:

“Vamos, pois, supor que o governo está inteiramente de acordo com o povo e que nunca pensa em exercer qualquer poder de coerção, a menos que esteja de acordo com o que crê seja a voz dele. Mas eu nego o direito do povo de exercer tal coerção, quer por si próprio quer pelo seu governo.
O Poder em si é ilegítimo. O melhor governo não tem mais direito a ele do que o pior.
É tão pernicioso, ou mais ainda, quando exercido de acordo com a opinião publica do que quando esta se lhe opõe.
Se todos os homens fossem da mesma opinião e apenas uma pessoa tivesse opinião contrária, aqueles não teriam mais justificação para silenciar essa pessoa do que esta, se tivesse o Poder, teria justificação para os silenciar.”

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